quarta-feira, 2 de março de 2011

Reexame necessário e o Recurso Especial

UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP | REDE LFG
CURSO DE PÓS-GRADUÇÃO LATO SENSU EM DIREITO PÚBLICO


Atividade obrigatória à distância como requisito parcial de aproveitamento da disciplina de Fazenda Pública em Juízo do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Público.


Quando a Fazenda Pública deixa de apelar de uma sentença, mas esta é apreciada pelo Tribunal competente por conta do Reexame Necessário, do acórdão proferido pelo Tribunal (em reexame necessário) cabe Recurso Especial manejado pela Fazenda Pública ou seria caso de preclusão lógica?


JULIANO DE CAMARGO
Bacharel em Direito e Pós-graduando em Direito Público
Fevereiro/2011


A análise da questão posta demanda fixar-se, inicialmente, a premissa do chamado “reexame necessário” ou “duplo grau de jurisdição”. Conforme letra da lei (art. 475 do Código de Processo Civil), é instituto processual que condiciona a eficácia de sentenças proferidas contra os interesses da Fazenda Pública – União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como suas autarquias e fundações – à revisão pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, independentemente de interposição de apelação pelo ente público.[1] Ou seja, não se confunde – embora, na prática, surta os mesmos efeitos de uma apelação – o reexame necessário com recurso, cujo pressuposto fundamental é voluntariedade (daí o próprio Código de Processo Civil falar em “produção de efeitos” condicionado à confirmação).
Essa distinção do reexame necessário de um recurso, é mais relevante pois a remessa ex officio da sentença ao tribunal competente não impede a interposição, pela Fazenda Pública, de apelação. De qualquer modo, com exceção de algumas hipóteses de dispensa do duplo grau obrigatório, não ocorrerá a coisa julgada senão a partir da confirmação da sentença pelo órgão superior, esgotados todos os demais recursos.[2]
A questão, pois, sujeita a indagação de que, não apresentando apelação – recurso voluntário –, estaria a Fazenda Pública “aceitando” a decisão desfavorável primitiva e, dessa maneira, a reapreciação, como mero ato complexo que dá eficácia à decisão, não ensejaria recursos aos Tribunais Superiores – seja especial, seja extraordinário – pelo ente público. Por certo, destaque-se, não inviabilizaria interposição desses mesmos recursos pela outra parte da lide, em caso de reforma da sentença.
Cassio Scarpinella Bueno entende que, desde que presentes os pressupostos autorizadores, fazendo as vezes de apelação, por viabilizar ampla análise do mérito, o reexame necessário ficaria sujeito aos embargos de declaração, ao recurso extraordinário e ao recurso especial. Segundo o autor “o acórdão respectivo, nesta perspectiva, tem tudo para fazer as vezes da ‘causa decidida’ exigida pelo art. 102, III, e art. 105, III, da Constituição Federal.”[3]
Data vênia, tal entendimento faria pressupor que, na reapreciação da sentença, o Tribunal tivesse a possibilidade de reformar a decisão para agravar ainda mais a situação do ente estatal, operando odiosa reformatio in pejus. Está-se, por certo, considerando a inexistência de recurso de apelação pela outra parte, na hipótese de sucumbência recíproca.
Vale destacar, portanto, que uma vez aplicada exclusivamente a remessa de ofício, as conclusões lógicas a que o Tribunal chegará serão ou a confirmação da sentença, ou sua reforma total, ou ainda a reforma parcial, nesta última hipótese exclusivamente em favor da Fazenda Pública. Nesse sentido, uma vez tendo se resignado com aquela decisão primária, inexistirá sucumbência em segundo grau que autorize interposição de recurso especial ou mesmo extraordinário.
Além da inexistência de sucumbência, nos termos acima expostos – pressuposto recursal – há que se revelar o entendimento de ocorrência de preclusão lógica, diante da prática de ato incompatível com a vontade de recorrer (art. 503, parágrafo único, do Código de Processo Civil). Data vênia, em que pese parte da doutrina asseverar a necessidade de prática de ato comissivo para se operar tal espécie de preclusão, entendo perfeitamente aplicável a tese esposada pelo Ministro Mauro Campbel Marques, do Superior Tribunal de Justiça, nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.036.329/SP, de que “a omissão pode gerar preclusão lógica quando dela se puder extrair manifestação inequívoca de vontade que caminhe em sentido oposto à prática do ato processual tido por precluso”. Uma vez quedando-se inerte a Fazenda Pública, aceitando tacitamente a sentença, não poderá mais recorrer. Consequentemente, do acórdão que aprecia o reexame necessário, afigura-se também ilógico a admissão de recurso especial (e também extraordinário).
Sem adentrar, por não ser o escopo deste estudo, no tema do “silêncio administrativo”, as consequências jurídicas da inércia da Fazenda Pública ao não apelar não decorre do “não-ato” em si, mas é sucedâneo legal do art. 503 do Código de Processo Civil, em observância ao princípio da legalidade.
Para arrematar, mas reconhecendo a persistência da polêmica, o Superior Tribunal de Justiça, nos embargos supra mencionados, enfrentou o tema com objetivo de uniformizar a jurisprudência dessa Corte, decidindo nos seguintes termos (votação não unânime):
“PROCESSUAL CIVIL - NÃO-APRESENTAÇÃO DE APELAÇÃO PELA UNIÃO - REMESSA OFICIAL IMPROVIDA - IMPOSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL - PRECLUSÃO LÓGICA. (...) 2. A não-interposição do recurso voluntário, pela União, gera a presunção de resignação diante do provimento jurisdicional apresentado. A posterior interposição de recurso especial torna-se inviável diante da caracterização da preclusão lógica. Se, inicialmente não houve interesse recursal por parte da União, mantendo-se o mesmo entendimento, não há razão para recorrer. 3. Esta Corte entende que descabe a interposição de recurso especial contra acórdão que nega provimento à remessa necessária, quando a ausência de interposição de apelo voluntário evidencia a conformação da parte em relação à sentença que lhe foi desfavorável, ante a preclusão lógica. Neste sentido o REsp 904.885/SP, de relatoria da Min. Eliana Calmon, julgado pela Primeira Seção em 12.11.2008, não-publicado, no sentido da ocorrência de preclusão lógica. Embargos de divergência providos.” (STJ, Embargos de Divergência em RESP Nº 1.036.329 – SP. Rel. Min. Humberto Martins. J. 14.10.2009).

Referências Bibliográficas:
THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol I. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 5. São Paulo: Saraiva, 2008.


[1] BUENO, op. cit., p. 411.
[2] THEODORO Jr., op. cit., p. 621.
[3] BUENO, op. cit., p. 419.