sábado, 19 de março de 2011

DO LEVANTAMENTO DO FGTS E PIS AOS DEPENDENTES PREVIDENCIÁRIOS NÃO INSCRITOS NO INSS

DO LEVANTAMENTO DO FGTS E PIS AOS DEPENDENTES PREVIDENCIÁRIOS NÃO INSCRITOS NO INSS

Juliano de Camargo
Assistente Jurídico do Ministério Público, Bacharel em Direito e pós-graduando em Direito Público
18 de março de 2011

O levantamento de valores do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do Programa de Integração Social (PIS) por dependentes e herdeiros quando do falecimento do beneficiário aparentemente é um tema simples, mas que apresenta peculiaridades diante de certos casos em concreto e merece atenção, dadas recentes alterações legislativas.

A Lei nº 6.858, de 24 de novembro de 1980, dispõe em seu artigo 1º que:
Os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão pagos, em quotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares, e, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento.” (grifo nosso)

E o Código de Processo Civil, no artigo 1.037, diz:
“Independerá de inventário ou arrolamento o pagamento dos valores previstos na Lei no 6.858, de 24 de novembro de 1980.” (Redação dada pela Lei nº 7.019, de 31.8.1982)

Isto é, a partir da morte do titular de conta do FGTS, PIS e outros benefícios sociais, eventuais saldos remanescentes poderão ser levantados, primeiramente, por seus dependentes, independentemente de inventário ou arrolamento. Contudo, não existindo dependentes previdenciários, habilitar-se-ão os herdeiros, neste caso, por meio de procedimento próprio, com autorização judicial.

A polêmica reside na identificação dos legitimados a resgatar tais valores não levantados quando em vida pelo titular.

Inicialmente, cumpre destacar quem a lei considera dependente para fins previdenciários. O decreto nº 3.048/1999, que dispõe sobre o Regulamento da Previdência Social, estabelece:

“Art. 16.  São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido;
II - os pais; ou
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido.
§ 1º  Os dependentes de uma mesma classe concorrem em igualdade de condições.
§ 2º  A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.”

Quanto a este ponto, não há maiores questionamentos, já que a lei é clara e privilegia os dependentes mais próximos do segurado.

A discussão afigura-se mais avultada após da edição do Decreto nº 4.079/2002, que alterou a regra de inscrição desses dependentes perante o Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS.

Até 2002, o artigo 22 do Regulamento da Previdência Social era assim redigido:
“Art. 22. Considera-se inscrição de dependente, para os efeitos da previdência social, o ato pelo qual o segurado o qualifica perante ela e decorre da apresentação de:”

Cabia, pois, ao segurado declarar perante o INSS, mediante comprovação documental, quem eram seus dependentes entre aqueles elencados no artigo 16 referido acima.

Assim, poderia o segurado, por ingenuidade ou má-fé, deixar de informar ao instituto todos seus dependentes, ou mesmo não informar nenhum. Consequentemente, após seu falecimento caberia exclusivamente aos dependentes declarados o levantamento dos valores de FGTS e PIS. Não raras vezes, a existência de outros dependentes não informados gerava litígios pela partilha dos benefícios, incluindo-se a pensão por morte. Nessa hipótese, sequer se poderia discutir a responsabilidade do segurado pela omissão nas declarações, pois já estava morto.

Após o Decreto nº 4.079/2002, a redação do artigo 22 passou a dispor:
“Art. 22.  A inscrição do dependente do segurado será promovida quando do requerimento do benefício a que tiver direito, mediante a apresentação dos seguintes documentos:” (grifo nosso)

Ou seja, a partir desse decreto, não é mais de responsabilidade do próprio segurado informar quem são seus dependentes. Estes é que, no momento de pleitear o benefício (especificamente pensão por morte e auxílio-reclusão) declararem-se legítimos dependentes, mediante apresentação dos documentos elencados no dispositivo.

Tal solução veio proporcionar melhor controle sobre o cadastro de dependentes, uma vez que, no caso de omissão, quando o dependente sabia da existência de outros na mesma qualidade, configurará responsabilidade pelo enriquecimento ilícito. Ao contrário, na hipótese de inscrição regular, se se desconhecia a existência de outros dependentes, posteriormente habilitados, não haverá que se falar em culpa, pois somente a partir da inclusão esses novos dependentes farão jus à partilha dos benefícios. Isso resulta, inclusive, da redação do art. 107 do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/1999):

“Art.107. A concessão da pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente, e qualquer habilitação posterior que importe em exclusão ou inclusão de dependente somente produzirá efeito a contar da data da habilitação.” (grifo nosso)

Para efeitos previdenciários, portanto, a nova redação mostra-se efetivamente mais equânime. Todavia, acabou gerando efeitos sobre a citada Lei nº 6.858/1980.

Uma vez que a lei estabelece que o levantamento dos valores de PIS e FGTS será deferido aos “dependentes habilitados perante a Previdência Social”, e já que não cabe mais ao segurado informar tal relação ao INSS, após a morte, pleiteando-se a liberação dos valores, o INSS não terá, via de regra (salvo hipótese de cadastro anterior de auxílio-reclusão) nenhum dependente cadastrado. Sem dependentes, os benefícios do FTGS e PIS seriam levantados pelos herdeiros do “de cujus”.

Abre-se, portanto, a necessidade de primeiramente os dependentes requererem implantação da pensão por morte, habilitando-se como dependentes, para então solicitarem a declaração competente para posterior pedido de levantamento dos outros benefícios sociais.

Outro problema surge: o dependente é obrigado a solicitar implantação de pensão por morte? E caso o dependente já seja beneficiário de outra prestação previdenciária incompatível de acumulação, deveria abrir mão e optar pela pensão por morte para só então ter direito a levantar o PIS ou FGTS?

Cumpre observar-se mais detidamente os reais fundamentos de tais benefícios sociais.

O regulamento do Programa de Integração Social – PIS, Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, estabelece:

“Art. 9º - As importâncias creditadas aos empregados nas cadernetas de participação são inalienáveis e impenhoráveís, destinando-se, primordialmente, à formação de patrimônio do trabalhador.
§ 1º - Por ocasião de casamento, aposentadoria ou invalidez do empregado titular da conta poderá o mesmo receber os valores depositados, mediante comprovação da ocorrência, nos termos do regulamento; ocorrendo a morte, os valores do depósito serão atribuídos aos dependentes e, em sua falta, aos sucessores, na forma da lei.”(grifo nosso)

De forma mais completa, a lei atual que regulamenta o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FTGS, Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, determina que:
“Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:
(...)
IV - falecimento do trabalhador, sendo o saldo pago a seus dependentes, para esse fim habilitados perante a Previdência Social, segundo o critério adotado para a concessão de pensões por morte. Na falta de dependentes, farão jus ao recebimento do saldo da conta vinculada os seus sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, expedido a requerimento do interessado, independente de inventário ou arrolamento;” (grifo nosso)

Em ambos regulamentos, regra geral, as instituições administradoras dos fundos exigem como documentação para liberação dos valores declaração de dependentes habilitados ao recebimento de pensão fornecida por Instituto Oficial de Previdência Social, ou alvará judicial indicando os sucessores do trabalhador falecido.

E uma vez que não exista tal declaração (apenas após a inscrição do dependente quando do requerimento de pensão por morte), qual a solução?

Anoto, em especial, que não apenas a Lei nº 6.858/1980 atribui legitimidade aos dependentes para o levantamento dos valores; as próprias normas regulamentadoras dos benefícios sociais determinam a preferência aos dependentes e apenas na falta destes os sucessores farão jus ao recebimento.

Outrossim, necessário resgatar o espírito do legislador na edição da Lei nº 6.858/1980.

À época da propositura do projeto de lei nº 3357/1980, que originou a lei acima, foi criado o Programa Nacional de Desburocratização (Decreto nº 83.740/1979), cujo objetivo, entre outros, era liberar as pessoas de modestos recursos dos gastos e exigências a que estavam obrigadas para o exercício de direitos já reconhecidos por lei, mas que dependiam de demoradas formalidades.

Segundo a exposição de motivos daquele projeto de lei, o caráter da norma é primordialmente social, com destaque à “proteção aos interesses dos menores de 18 anos, objeto do disposto no §1º do art. 1º”.

Vê-se que, seja pelo disposto na Lei nº 6.858/1980, seja pelo conteúdo dos regramentos específicos do FGTS e PIS, a preferência no recebimento dos valores é dos dependentes, avaliados estes segundo os critérios previdenciários. O fato da ausência de inscrição regular perante o INSS, não desnatura a condição de necessidade desses dependentes, podendo ser facilmente aferida pelos critérios estabelecidos no regramento da previdência social:

“Instrução Normativa INSS/PRES nº 45, de 6 de agosto de 2010 - DOU 11/08/2010
Art. 45. A inscrição do dependente será realizada mediante a apresentação dos seguintes documentos:
I - para os dependentes preferenciais:
a) cônjuge e filhos: certidões de casamento e de nascimento;
b) companheira ou companheiro: documento de identidade e certidão de casamento com averbação da separação judicial ou divórcio, quando um dos companheiros ou ambos já tiverem sido casados, ou de óbito, se for o caso; e
c) equiparado a filho: certidão judicial de tutela e, em se tratando de enteado, certidão de casamento do segurado e de nascimento do dependente, observado o disposto no art. 21;
II - pais: certidão de nascimento do segurado e documentos de identidade dos mesmos; e
III - irmão: certidão de nascimento.”

Ademais, a dependência econômica de cônjuge ou companheiro(a), filho não emancipado até vinte e um anos ou inválidos, é presumida, não necessitando comprovação documental, conforme art. 16, §7º, do Decreto nº 3.048/1999, que Regulamenta a Previdência Social.

Conclusões:

1)            Embora o regramento atinente à Previdência Social determine que a inscrição de dependentes previdenciários será feita apenas no momento do requerimento de benefício (pensão por morte ou auxílio-reclusão), isso não descaracteriza a situação real de dependência.

2)            A Lei nº 6.858/1980 e os regramentos específicos do FGTS (Lei nº 8.036/1990) e PIS (Lei Complementar nº 7/1970) são expressos ao dar preferência aos dependentes para levantamento dos valores não sacados em vida pelo beneficiário.

3)            O requerimento do benefício da pensão por morte, hábil para atestar a condição de dependente, comprova a legitimidade para levantamento dos valores do FGTS, PIS e outros.

4)            A lei, ao remeter a aferição da dependência aos critérios estabelecidos para a concessão do benefício da pensão por morte, não faz desaparecer direito de caráter social protetivo. A dependência é situação fática passível de aferição documental não só mediante apresentação de certidão ou declaração de habilitação perante o INSS; outros critérios fixados pela norma (art. 22 do Decreto 3.048/1999) devem ser aceitos e comprovam eficazmente a condição.

5)            A declaração, pelos dependentes, dessa condição, ou pelos sucessores, da inexistência de dependentes classificados nos critérios previdenciários, é passível de responsabilização pela veracidade das informações prestadas no caso de posterior habilitação de outros dependentes.

6)            Havendo provas da existência de dependentes dentro do perfil determinado pelo regulamento da Previdência Social, não se poderá autorizar o levantamento de saldos remanescentes das contas por sucessores ou parte dos dependentes, excluindo-se os demais, sem dar-lhes a oportunidade de se habilitarem como tais.

7)            Em Juízo, verificada existência de dependentes previdenciários, ainda que não inscritos no INSS, fica afastada a legitimidade de outros interessados no levantamento do FGTS e PIS, nos termos do artigo 16 do Decreto nº 3.048/1999, obedecida a ordem das classes preferenciais.


terça-feira, 15 de março de 2011

Teorias sobre o vínculo obrigacional

Juliano de Camargo
Bacharel em direito e pos-graduando em direito público

Teoria monista ou unitária – a relação obrigacional baseia-se no conceito de prestação (Orlando Gomes, Caio Mário da Silva Pereira).

Teoria dualista (origem alemã) – a relação obrigacional baseia-se em dois conceitos:
-Débito – dever jurídico obrigacional. Debitum (latim), Schuld (alemão);
-Responsabilidade – obligatio (latim), Haftung (alemão);
Autores adeptos: Judite Martins Costa, Flávio Tartuce.

Se a obrigação for cumprida nos exatos termos do pactuado, somente tem-se o Schuld, sem a responsabilidade.

A responsabilidade civil ou contratual só surge no momento em que o débito não é atendido ou cumprido pelo devedor.

É possível haver débito sem responsabilidade?
Sim. Existe a dívida mas esta não pode ser exigida. Obrigação incompleta ou obrigação natural – pagamento de dívida prescrita, empréstimo de dinheiro a menor, dívida de jogo, entre outras.

É possível responsabilidade sem débito?
Sim. Ex.: fiança – o contrato é perante o credor. A responsabilidade é para com o credor, mas a dívida é do devedor, não do fiador.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Sociedade unipessoal incidental temporária

Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, pós-graduando em Direito Público

O pressuposto de existência de uma sociedade empresária é a affectio societatis, do que decorre, logicamente, que não pode existir sociedade de uma única pessoa.

Mas há uma exceção: a sociedade unipessoal incidental temporária.

Ocorre quando um dos sócios morre e o outro fica sozinho. Esta situação só pode permanecer por no máximo 180 dias. O sócio remanescente deve tentar restabelecer a sociedade, trazendo um novo sócio ou sócios, ou ainda que os herdeiros do sócio falecido ingressem na sociedade, sob pena de dissolução da sociedade empresária. É a previsão do art. 1033, inciso IV, do Código Civil.

Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:
I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado;
II - o consenso unânime dos sócios;
III - a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado;
IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias;


sábado, 5 de março de 2011

Critério real e formal da atividade empresária


Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, Pós-graduando em Direito Público

Tanto o empresário individual quanto a sociedade empresária são obrigados a se inscrever na Junta Comercial. A personalidade jurídica da pessoa jurídica se inicia com seu registro.

Mas não é o registro na Junta Comercial que confere o status de empresário. Mesmo sem registro, será considerado empresário aquele que exercer atividade empresarial.

O Brasil adotou o critério real: vale o efetivo exercício de atividade empresarial, atividade organizada para produção e circulação de bens ou serviços, salvo atividades intelectuais, artísticas.

O critério formal é aquele do simples registro, que serve para distinguir empresários regulares dos irregulares. É adotado como exceção: estão obrigadas ao registro na Junta Comercia, ainda que não exerça atividade empresária:

(a) Sociedade simples, não empresária, que adota uma das formas societárias (alguns entendem que o registro é apenas no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas).

(b) A S/A e a sociedade em comandita por ações, necessariamente são considerados empresários obrigatórios, ainda que não exerçam atividade empresarial, submetendo-se ao registro na Junta Comercial.

(c) Sociedade de atividade rural – não é empresária, mas pode se registrar na Junta Comercial, equiparando-se a sociedade empresária.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Reexame necessário e o Recurso Especial

UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP | REDE LFG
CURSO DE PÓS-GRADUÇÃO LATO SENSU EM DIREITO PÚBLICO


Atividade obrigatória à distância como requisito parcial de aproveitamento da disciplina de Fazenda Pública em Juízo do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Público.


Quando a Fazenda Pública deixa de apelar de uma sentença, mas esta é apreciada pelo Tribunal competente por conta do Reexame Necessário, do acórdão proferido pelo Tribunal (em reexame necessário) cabe Recurso Especial manejado pela Fazenda Pública ou seria caso de preclusão lógica?


JULIANO DE CAMARGO
Bacharel em Direito e Pós-graduando em Direito Público
Fevereiro/2011


A análise da questão posta demanda fixar-se, inicialmente, a premissa do chamado “reexame necessário” ou “duplo grau de jurisdição”. Conforme letra da lei (art. 475 do Código de Processo Civil), é instituto processual que condiciona a eficácia de sentenças proferidas contra os interesses da Fazenda Pública – União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como suas autarquias e fundações – à revisão pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, independentemente de interposição de apelação pelo ente público.[1] Ou seja, não se confunde – embora, na prática, surta os mesmos efeitos de uma apelação – o reexame necessário com recurso, cujo pressuposto fundamental é voluntariedade (daí o próprio Código de Processo Civil falar em “produção de efeitos” condicionado à confirmação).
Essa distinção do reexame necessário de um recurso, é mais relevante pois a remessa ex officio da sentença ao tribunal competente não impede a interposição, pela Fazenda Pública, de apelação. De qualquer modo, com exceção de algumas hipóteses de dispensa do duplo grau obrigatório, não ocorrerá a coisa julgada senão a partir da confirmação da sentença pelo órgão superior, esgotados todos os demais recursos.[2]
A questão, pois, sujeita a indagação de que, não apresentando apelação – recurso voluntário –, estaria a Fazenda Pública “aceitando” a decisão desfavorável primitiva e, dessa maneira, a reapreciação, como mero ato complexo que dá eficácia à decisão, não ensejaria recursos aos Tribunais Superiores – seja especial, seja extraordinário – pelo ente público. Por certo, destaque-se, não inviabilizaria interposição desses mesmos recursos pela outra parte da lide, em caso de reforma da sentença.
Cassio Scarpinella Bueno entende que, desde que presentes os pressupostos autorizadores, fazendo as vezes de apelação, por viabilizar ampla análise do mérito, o reexame necessário ficaria sujeito aos embargos de declaração, ao recurso extraordinário e ao recurso especial. Segundo o autor “o acórdão respectivo, nesta perspectiva, tem tudo para fazer as vezes da ‘causa decidida’ exigida pelo art. 102, III, e art. 105, III, da Constituição Federal.”[3]
Data vênia, tal entendimento faria pressupor que, na reapreciação da sentença, o Tribunal tivesse a possibilidade de reformar a decisão para agravar ainda mais a situação do ente estatal, operando odiosa reformatio in pejus. Está-se, por certo, considerando a inexistência de recurso de apelação pela outra parte, na hipótese de sucumbência recíproca.
Vale destacar, portanto, que uma vez aplicada exclusivamente a remessa de ofício, as conclusões lógicas a que o Tribunal chegará serão ou a confirmação da sentença, ou sua reforma total, ou ainda a reforma parcial, nesta última hipótese exclusivamente em favor da Fazenda Pública. Nesse sentido, uma vez tendo se resignado com aquela decisão primária, inexistirá sucumbência em segundo grau que autorize interposição de recurso especial ou mesmo extraordinário.
Além da inexistência de sucumbência, nos termos acima expostos – pressuposto recursal – há que se revelar o entendimento de ocorrência de preclusão lógica, diante da prática de ato incompatível com a vontade de recorrer (art. 503, parágrafo único, do Código de Processo Civil). Data vênia, em que pese parte da doutrina asseverar a necessidade de prática de ato comissivo para se operar tal espécie de preclusão, entendo perfeitamente aplicável a tese esposada pelo Ministro Mauro Campbel Marques, do Superior Tribunal de Justiça, nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.036.329/SP, de que “a omissão pode gerar preclusão lógica quando dela se puder extrair manifestação inequívoca de vontade que caminhe em sentido oposto à prática do ato processual tido por precluso”. Uma vez quedando-se inerte a Fazenda Pública, aceitando tacitamente a sentença, não poderá mais recorrer. Consequentemente, do acórdão que aprecia o reexame necessário, afigura-se também ilógico a admissão de recurso especial (e também extraordinário).
Sem adentrar, por não ser o escopo deste estudo, no tema do “silêncio administrativo”, as consequências jurídicas da inércia da Fazenda Pública ao não apelar não decorre do “não-ato” em si, mas é sucedâneo legal do art. 503 do Código de Processo Civil, em observância ao princípio da legalidade.
Para arrematar, mas reconhecendo a persistência da polêmica, o Superior Tribunal de Justiça, nos embargos supra mencionados, enfrentou o tema com objetivo de uniformizar a jurisprudência dessa Corte, decidindo nos seguintes termos (votação não unânime):
“PROCESSUAL CIVIL - NÃO-APRESENTAÇÃO DE APELAÇÃO PELA UNIÃO - REMESSA OFICIAL IMPROVIDA - IMPOSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL - PRECLUSÃO LÓGICA. (...) 2. A não-interposição do recurso voluntário, pela União, gera a presunção de resignação diante do provimento jurisdicional apresentado. A posterior interposição de recurso especial torna-se inviável diante da caracterização da preclusão lógica. Se, inicialmente não houve interesse recursal por parte da União, mantendo-se o mesmo entendimento, não há razão para recorrer. 3. Esta Corte entende que descabe a interposição de recurso especial contra acórdão que nega provimento à remessa necessária, quando a ausência de interposição de apelo voluntário evidencia a conformação da parte em relação à sentença que lhe foi desfavorável, ante a preclusão lógica. Neste sentido o REsp 904.885/SP, de relatoria da Min. Eliana Calmon, julgado pela Primeira Seção em 12.11.2008, não-publicado, no sentido da ocorrência de preclusão lógica. Embargos de divergência providos.” (STJ, Embargos de Divergência em RESP Nº 1.036.329 – SP. Rel. Min. Humberto Martins. J. 14.10.2009).

Referências Bibliográficas:
THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol I. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 5. São Paulo: Saraiva, 2008.


[1] BUENO, op. cit., p. 411.
[2] THEODORO Jr., op. cit., p. 621.
[3] BUENO, op. cit., p. 419.