sexta-feira, 6 de maio de 2011

Pode haver tributação de atos ilícitos?


A realização de uma atividade ilícita pode dar ensejo à incidência tributária?

JULIANO DE CAMARGO
Assistente Jurídico do MPSP, Bacharel em Direito e Pós-graduando em Direito Público - Abril/2011

Fato gerador, hipótese de incidência, suporte fático, fato tributável, pressuposto de fato, situação de fato, são expressões utilizadas, muitas vezes, como sinônimas[1] do fato jurídico que desencadeia a obrigação tributária.
Conforme o Código Tributário Nacional – CTN, artigo 114, fato gerador é “a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”. Já o artigo 113 do mesmo diploma dispõe que “a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador (...)”. Isto é, o CTN utiliza a mesma expressão, “fato gerador” tanto para indicar uma definição legal, uma descrição (art. 114), quanto para indicar uma situação fática (art. 113).
Por isso a doutrina, balizada em Geraldo Ataliba, usa a expressão “hipótese de incidência” como a descrição abstrata de uma situação jurídica, definida em lei, ao contrário do “fato gerador”, ou “fato imponível”, concretização dessa hipótese.[2]
Trata-se, pois, da subsunção de um fato concreto (fato gerador) à descrição típica de uma situação abstrata (hipótese de incidência), fazendo nascer a relação jurídica tributária.
Assim, na incidência do imposto de renda, por exemplo, a hipótese de incidência é ‘auferir renda’, enquanto um indivíduo determinado receber R$1.000,00 a título de proventos configura o fato gerador desse tributo.
Poderá ocorrer, porém, de um fato concreto configurar ato ilícito e, ainda assim, subsumir-se à hipótese de incidência descrita na lei, o que implicará na obrigação tributária.
Segundo o artigo 3º do CTN, um tributo não pode constituir sanção de ato ilícito, ou seja, não tem por função coibir a prática de um ato “contra legem”. Por outro lado, o princípio da “pecunia non olet” define que, desconsiderada a ilicitude, configurada a hipótese de incidência poderá ser exigido o tributo dessa atividade ilícita, pois o “dinheiro não cheira”, pouco importa de onde venha.
Sustentando a tese de não tributação de atos ilícitos, Alfredo Augusto Becker leciona que "A ocorrência ilícita de um fato jurídico não realiza a hipótese de incidência tributária que esteja integrada com aquele fato jurídico, porque a regra jurídica tributária quando escolhe para composição de sua hipótese de incidência, um fato jurídico, refere-se implicitamente a fato jurídico licito.[3] Entende esse autor que a matriz tributária, que define abstratamente a conduta deflagradora de uma relação jurídica, pressupõe a prática de atos lícitos.
Todavia, a leitura do artigo 118 do CTN leva à conclusão de que a interpretação da hipótese de incidência independe da licitude ou não do ato praticado e dos efeitos dele decorrentes:
“Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:
I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;
II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.”

Daí, pois, que para Amílcar Falcão o fato gerador é um simples fato econômico de relevância jurídica, sendo indiferente seu caráter valorativo.[4]
Com efeito, a jurisprudência assenta a possibilidade de tributação de atos ilícitos, cíveis ou penais. Veja-se, a título de exemplo:
“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ITR INCIDENTE SOBRE IMÓVEL RURAL. POSTERIOR CANCELAMENTO DA MATRÍCULA DO IMÓVEL. LANÇAMENTO FISCAL MANTIDO. PRINCÍPIO DO "NON OLET". AGRAVO DESPROVIDO.” TRF3, Agravo de Instrumento 342891, Rel. Juiz Souza Ribeiro, j. 10/09/2009.

“MANDADO DE SEGURANÇA - CONTRIBUIÇÕES COFINS E PIS - BASE DE CÁLCULO - CONCEITO DE FATURAMENTO E RECEITA - INDEVIDA A EXCLUSÃO DE VALORES NÃO RECEBIDOS POR INADIMPLÊNCIA. (...) As contribuições PIS e COFINS têm como fato gerador o aspecto econômico dimensionado pelas operações de vendas dos produtos e serviços da pessoa jurídica, independentemente de que se trate de vendas a vista ou a prazo e, ainda, sendo irrelevante que não tenha havido o posterior recebimento dos respectivos valores em face da inadimplência de seus clientes, este último fator que seria relevante apenas para a apuração de tributos sobre o lucro ou sobre o resultado das atividades em certo período. VI - As vendas não recebidas por inadimplência não se equiparam com as vendas canceladas, pois estas operam em desfazimento dos atos jurídicos que comporiam a base de cálculo das contribuições, o que não ocorre naquelas.” TRF3, Apelação em Mandado de Segurança 305878, Rel. Juiz Souza Ribeiro, j. 04/09/2008.

"RECURSO ESPECIAL. PENAL. PECULATO. CONDENAÇÃO. SONEGAÇÃO FISCAL PROVENIENTE DE ATUAÇÃO ILÍCITA. TRIBUTABILIDADE. INEXISTÊNCIA DO "BIS IN IDEM". BENS JURÍDICOS TUTELADOS NOS TIPOS PENAIS DISTINTOS. PUNIBILIDADE. São tributáveis "ex vi" do art. 118, do Código Tributário Nacional, as operações ou atividades ilícitas ou imorais, posto a definição legal do fato gerador é interpretada com abstração da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos.” TRF1, Apelação Cível 96.01.45103-0/GO, Rel. Juiz Julier Sebastião da Silva, j. 14/11/2001.

Em síntese, pode haver tributação de atos ilícitos, de qualquer natureza, dado que importa ao direito tributário o fato concreto, refletido na capacidade contributiva, independentemente da origem ou validade do ato que o originou.

Referências Bibliográficas:
GONTIJO, Raquel Torres. É possível a tributação de atos ilícitos?. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: [ http://jus.uol.com.br/revista/texto/3494 ]. Acesso em: 6 abr. 2011.
MARTINS, Sergio Pinto. Manual de direito tributário. São Paulo: Atlas, 2002.
OLIVEIRA, Carla Dumont. Tributação de atos ilícitos. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: [ http://jus.uol.com.br/revista/texto/3925 ]. Acesso em: 5 abr. 2011.
SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. Coleção Elementos do Direito. São Paulo: Siciliano Jurídico, 2003.


[1] MARTINS, p. 151.
[2] ATALIBA, Geraldo, Hipótese de incidência tributária. São Paulo: RT, 1973, p.51, cit. in. MARTINS, p. 152.
[3] BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 615, cit. in. OLIVEIRA, web.
[4] FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária. 5ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 1994 p.41, cit. in. GONTIJO, web.