terça-feira, 21 de junho de 2011

Internação involuntária de crianças e adolescentes acometidas de transtornos mentais decorrentes do uso de drogas


 
Juliano de Camargo
Bacharel em Direito, Pós-graduando em Direito Público pela LFG, Assistente Jurídico do Ministério Público
Maio/2011

O uso de substâncias entorpecentes – álcool, drogas e outras substâncias – por crianças e adolescentes, interfere no seu desenvolvimento físico e mental, com reflexos nocivos à família e à comunidade, além da inserção na marginalidade, criminalidade e violência.
O cuidado mental dos menores de 18 anos constitui-se em direito fundamental à vida e à saúde, dadas as condições peculiares de pessoa em desenvolvimento.
Não por menos, o Estatuto da Criança e do Adolescente, nos artigos 3º, 4º e 7º, §1º, assegura a crianças e adolescentes a prioridade de atendimento em saúde, incluindo-se tratamento de saúde mental.
O panorama do uso de drogas e álcool por menores de 18 anos, caracteriza situação de elevado risco, previsto no artigo 98, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente, necessitando a intervenção do Ministério Público para tutelar direito fundamental.
“Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - em razão de sua conduta.”

E para tal tutela, em razão da conduta praticada pela própria criança ou adolescente, há previsão de aplicação de medidas específicas, elencadas no Estatuto da Criança e do Adolescente:
“Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
(...)
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;”

Em complementação, o artigo 203, IV, da Constituição Federal diz ser um dos objetivos da assistência social, prestada pelo Estado a quem dela necessitar, a “habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária”. Acrescente-se, por certo, a deficiência decorrente do uso de álcool e drogas.
A conjugação do sistema normativo de proteção da criança e do adolescente admite, portanto, caso se afigure extremamente necessária, a internação de menores de 18 anos para tratamento contra a dependência química.
Há divergências sobre o enfoque de qual tratamento adequado nos casos de drogadição severa, associados a distúrbios mentais e violência, mas por certo uma intervenção terapêutica é melhor do que a omissão.
E embora a internação psiquiátrica seja apenas uma das formas de tratamento possíveis, e a mais excepcional delas, por vezes afigura-se como inevitável.
Todavia, é possível obrigar alguém a se submeter a um tratamento, em especial menores de idade, e em que condições?
A própria reação de negação da condição de dependente químico traz em si a resistência aos tratamentos e principalmente à internação, aliado às crises de abstinências, decorrendo daí a necessidade de uma internação involuntária do paciente, como medida de saúde e segurança.
De qualquer modo, qualquer internação psiquiátrica, somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado, conforme exigência do artigo 6º da Lei nº 10.216/01, que dispõe proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais.
Essa mesma Lei nº 10.216/01 define as modalidades de internação psiquiátrica:
·         internação voluntária: se dá a pedido ou com o consentimento do paciente;
·         internação involuntária: se dá sem o consentimento do paciente e a pedido de terceiro, independentemente de ordem judicial, e deve ser comunicada ao Ministério Público em 72 horas;
·         internação compulsória: determinada por ordem judicial.

Quando se tratar de pedido de internação voluntária, o Conselho Tutelar poderá providenciar a medida, com base no artigo 136, I, ECA.
Se a internação compulsória for necessária, poderá ser requerida judicialmente como medida protetiva, com fundamento no artigo 101, V e VI, do ECA.
Todavia, dentre as modalidades de internações há distinções para as faixas etárias dos menores de 18 anos.
Considerando a imperatividade dos artigos 3º e 4º do Código Civil, a incapacidade jurídica pressupõe a incapacidade psíquica para distinguir as relações jurídicas e se autodeterminar, daí a necessidade de representação ou assistência de um capaz.
Conclui-se, portanto, que em se tratando de menor de 16 anos, absolutamente incapaz, é impossível a ocorrência de internação voluntária.
entre os 16 e 18 anos admite-se a manifestação da voluntariedade para o tratamento, pois já detém condições para discernir e aceitar os tratamentos propostos.
A internação voluntária, contudo, dependerá também do consentimento dos pais ou responsáveis. Caso haja discordância dos pais com a internação, será possível uma intervenção judicial, após orientação do Conselho Tutelar, para autorização de internação, caso seja esse o real interesse do adolescente e haja clara indicação médica para tanto.
O que não se admite é a internação voluntária de maior de 16 por exclusiva vontade dos pais ou responsáveis, havendo discordância do menor, necessitando, para tanto, a intervenção judicial

Resta a internação involuntária, que por sua vez pode ser distinguida em emergencial ou comum.
A internação emergencial, baseada em recomendação médica específica, é aplicada na ocorrência de surtos ou crises agudas, em casos de risco iminente à vida ou integridade física. Nesta hipótese, há de se observar sempre o caráter transitório e excepcional, com medidas aplicadas diretamente pelo Conselho Tutelar e unidades médicas, dispensando-se ordem judicial para tratamento hospitalar.
A internação involuntária emergencial poderá ser invocada inclusive se houver risco a nascituro, na hipótese de grávida adolescente dependente de drogas.

Fora das situações emergenciais, a internação involuntária, em se tratamento de criança e adolescente, deverá ser sempre compulsória, com ordem judicial.
É importante resguardar o direito de manifestação da criança ou adolescente, assegurando pela Convenção sobre os Direitos da Criança, pois, dependendo da opinião expressada, questionando a medida de internação para tratamento (que não necessariamente deva ser seguida), implica na obrigatoriedade de um procedimento contraditório, com assistência jurídica e nomeação de um curador especial, nos termos do artigo 9º, II, CPC, e artigo 142, parágrafo único, ECA.
Semelhante procedimento contraditório deverá ser observado no caso de verificação pelo Conselho Tutelar ou outro órgão da necessidade de internação e haja oposição do menor e também de seus pais ou responsáveis. Neste caso, sobrepõe-se a obrigação do Estado em proteger a saúde e segurança da criança e do adolescente se a única medida que surta efeitos seja o tratamento compulsório.
Quanto à competência, os pedidos formulados pelos próprios pais ou a hipótese de autorização judicial formulada pelo menor, em oposição aos genitores, são de competência das varas de família. Qualquer outra hipótese de internação que não envolva requerimento dos próprios pais, dependerá de decisão do Juízo da Infância e Juventude.

Em resumo:
(a)  Menores de 16 anos:
(i)    Não se admite internação voluntária;
(ii)  Internação involuntária nos casos emergenciais (risco de vida ou à integridade física), independente de ordem judicial;
(iii) Qualquer outra modalidade de internação será sempre involuntária e compulsória (com ordem judicial), seja com consentimento dos pais seja por orientação do Conselho Tutelar.

(b)  Maiores de 16 anos e menores de 18 anos:
(i)    Internação voluntária admitida independentemente de ordem judicial se houver consentimento do menor e dos pais ou responsáveis;
(ii)  Se houver oposição dos pais, mas desejo do menor, é possível autorização judicial, comprovada a premente necessidade, com orientação do Conselho Tutelar;
(iii) A internação involuntária emergencial (risco de vida ou à integridade física) independe de ordem judicial;
(iv) Com ou sem consentimento dos pais, opondo-se o menor, a internação será sempre compulsória, observando-se o contraditório, com nomeação de curador especial;


Referências bibliográficas:
BRASIL, Ministério da Saúde. Relatório do Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil. Secretaria de Atenção A Saúde; Departamento de Ações Programáticas Estratégicas; Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas. Brasília: Março/2009.
FRANCO JUNIOR, Raul de Mello. Internação compulsória para tratamento de alcoólatras e dependentes químicos. Revista Igualdade, Livro 41, Ministério Público do Estado do Paraná, Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente. Curitiba: Março/2008.
RESENDE, Cibele Cristina Freitas. Aspectos legais da internação psiquiátrica de crianças e adolescentes portadores de transtornos mentais. Revista Igualdade, Livro 41, Ministério Público do Estado do Paraná, Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente. Curitiba: Março/2008.


Relativização do estupro de vulnerável diante da atipicidade material

Inquérito Policial nº ..
  
Consta do presente inquérito policial que, em data incerta, mas ocorrida em xxxx, em horário também incerto, J, qualificado a fls. 11, teve conjunção carnal com D, na época menor de 14 anos de idade.

O indiciado, ouvido pela autoridade policial a fls. 11, afirmou que namorava com a vítima há aproximadamente um ano, com consentimento da mãe dela, e inclusive frequentava a casa de D. Confirmou que manteve relação sexual com a menor apenas uma vez.

D, ouvida a fls. 09, confirmou o namoro e o relacionamento sexual, dizendo que gostava de J e queria continuar o namoro.

A mãe da vítima, C (fls. 07), informou que o namoro de J e D foi permitido até o momento em que foi descoberto que ele era ex-usuário de drogas. Segundo C, a filha teria mantido a relação sexual por “pirraça”.

A menoridade de D está confirmada pela certidão de nascimento de fls. 10.

Em que pese o tipo penal descrito no “caput” do artigo 217-A do Código Penal – “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos” – prever objetivamente a prática do ato sexual, independentemente de outros elementos normativos, a análise dos fatos em concreto não autorizam a persecução penal.

Tomando-se por premissa a moderna doutrina da Teoria Constitucionalista do Delito, que desmembra a tipicidade penal nos aspectos formal ou objetivo, subjetivo e normativo ou material, não se pode subsumir, perfeitamente, a conduta ao tipo penal.

Embora presente a tipicidade formal ou objetiva (descrição objetiva do tipo penal – art. 217-A, CP) a tipicidade subjetiva – caráter psicológico do agente – não está perfeitamente caracterizado, na medida em que não se vislumbra a lesão ao bem jurídico tutelado, qual seja, a dignidade sexual.

Isto se denota da confissão espontânea de ambas as partes – autor e vítima – que confirmaram o relacionamento amoroso e sexual. Até mesmo perante o Setor Técnico do Juízo D relatou que “iniciou relação sexual com o namorado de forma segura e por desejo próprio” (relatório psicossocial de fls. 27).

De outro lado, quando se analisa se a conduta possui relevância penal, diante da lesão provocada ao bem jurídico tutelado e o desvalor da conduta, verifica-se ausente também a tipicidade material.

Tendo por norte o princípio da intervenção mínima do direito penal, que deve ocupar-se daqueles delitos intoleráveis e graves, de significante perturbação social, a conduta ora apurada revela-se mais grave à família da suposta vítima do que a esta própria.

Com efeito, a genitora de D relatou, em entrevista com o Setor Técnico, que a filha “manteve relação sexual por ‘birra’ (sic) e prefere que a questão seja amenizada, não observando alterações comportamentais em D” (fls. 28).

Não por menos, as técnicas puderam inferir que “a formalização da denúncia se deu mais para comprovar sua autoridade (da mãe) e oferecer limites claros à filha do que protege-la” (fls. 29).

Assim, o parecer psicossocial (fls. 29) não identificou “nenhuma alteração comportamental ou emocional significativa que pudesse estar atrelada a alguma vivência traumática de cunho sexual.” E arremata dizendo que, “apesar da precocidade, D consentiu em iniciar sua vida sexual com Jhones e que a relação, segundo nos foi relatado, não apresentou indícios de coerção ou violência física.”

A relativização da presunção da violência nos crimes sexuais praticados contra menores de idade é tema debatido há anos, tal como já asseverava Nelson Hungria:

"O dissenso da vítima deve ser sincero e positivo, manifestando-se por inequívoca resistência. Não basta uma platônica ausência de adesão, uma recusa meramente verbal, uma oposição passiva ou inerte. É necessária uma vontade decidida e militantemente contrária, uma oposição que só a violência física ou moral consiga vencer. Sem duas vontades embatendo-se em conflito, não há estupro. Nem é de confundir a efetiva resistência com a instintiva ou convencional relutância do pudor, ou com o jogo de simulada esquivança ante uma vis grata..."("Comentários ao Código Penal", Forense, 1983, vol. VIII, págs. 107-108.)

Também a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já assinalou:

“RECURSO ESPECIAL COM PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INCIDENTE NÃO PROCESSADO. INICIATIVA EXCLUSIVA DOS ÓRGÃOS DOS TRIBUNAIS. PRECEDENTES. ESTUPRO MEDIANTE VIOLÊNCIA PRESUMIDA. VÍTIMA ADOLESCENTE. CONDUTA ANTERIOR À LEI Nº 12.015/2009. ACÓRDÃO HOSTILIZADO QUE CONSIDERA RELATIVA A PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. MANUTENÇÃO DO DECISUM A QUO. INTERPRETAÇÃO ABRANGENTE DE TODO O ARCABOUÇO JURÍDICO. A POSSIBILIDADE DE A MENOR, A PARTIR DOS 12 ANOS, SOFRER MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS É INCOMPATÍVEL COM A PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA NO ESTUPRO. PRECEDENTE. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DAS PROVAS ACERCA DO CONSENTIMENTO DA VÍTIMA. SÚMULA 07 DO STJ. (...) 2. O delito imputado ao recorrido teria sido em tese praticado anteriormente ao advento da Lei Nº12.0155, de 7 de agosto de 2009, que implementou recentíssimas alterações no crime de estupro. O acórdão absolutório, objeto do presente recurso especial, entendeu ser insustentável que uma adolescente, com acesso ao modernos meios de comunicação, seja absolutamente incapaz de consentir relações sexuais, o que, no entender do Tribunal a quo, implicaria responsabilização objetiva ao réu, vedada no nosso ordenamento jurídico. 3. É inadmissível a manifesta contradição de punir o adolescente de 12 anos de idade por ato infracional, e aí válida sua vontade, e considerá-lo incapaz tal como um alienado mental, quando pratique ato libidinoso ou conjunção carnal. Precedente - HC 88.664/GO, julgado em 23/06/2009 pela 6ª Turma desta Casa e divulgado no Informativo Jurídico nº 400 deste Superior Tribunal de Justiça. 4. No que diz respeito à conclusão do acórdão hostilizado, no sentido de estar bem caracterizada a prova acerca do consentimento da ofendida, é defeso a esta Corte o revolvimento fático probatório, conforme Sumula 07 deste Superior Tribunal de Justiça. 5. Recurso ao qual se nega provimento.” (REsp 494.792/SP, Relator Ministro CELSO LIMONGI DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP, DJe 22/2/10) (grifo nosso).

O entendimento é consentâneo à hipótese, apenas a título de ilustração, de um casal de adolescentes, ambos com 13 anos de idade, namorados, que mantém relações sexuais. Haveria, em tese, a prática recíproca de ato infracional tipificado como estrupro de vulnerável?

Interessante colacionar, a esse respeito, trecho de entrevista concedida pelo médico hebiatra Dr. Maurício de Souza Lima, coordenador do Ambulatório dos Filhos de Mães-Adolescentes do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, membro da Associação Paulista de Adolescentes e do Departamento de Adolescentes da Sociedade de Pediatria de São Paulo, e autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape, SP, 2006), ao também médico Dr. Drauzio Varella (disponível no endereço da internet - URL: ‘http://www.drauziovarella.com.br/ExibirConteudo/4400/sexualidade-na-adolescencia’):

“Os jovens estão despertando cada vez mais cedo para a vida sexual. Se pensarmos que aos 15 anos 50% dos meninos e meninas já tiveram a primeira relação sexual, temos de concluir que a iniciação sexual está acontecendo mais cedo. Comparado com os dados obtidos não muitos anos atrás, o primeiro beijo também é uma experiência que ocorre mais cedo. Sem dúvida, essa precocidade é estimulada pelos meios de comunicação deste século XXI - Internet, TV, imprensa falada e escrita, bancas de jornal, etc. – e até por muitos pais que, por exemplo, aplaudem a dança erotizada da menina de cinco anos, mas se assustam e ficam preocupados quando ela, aos dez anos, começa a namorar.”

Reflexo dessa “sexualização” precoce de crianças e adolescentes, é o crescente número de jovens grávidas. Embora não tenha sido este o resultado do presente caso, serve para ilustrar a necessidade, em situações como estas, mais de educação do que sanção penal.

“Cabe destacar que a gravidez precoce não é um problema exclusivo das meninas. Não se pode esquecer que embora os rapazes não possuam as condições biológicas necessárias para engravidar, um filho não é concebido por uma única pessoa. E se é à menina, que cabe a difícil missão de carregar no ventre, o filho, durante toda a gestação, de enfrentar as dificuldades e dores do parto e de amamentar o rebento após o nascimento, o rapaz não pode se eximir de sua parcela de responsabilidade. Por isso, quando uma adolescente engravida, não é apenas a sua vida que sofre mudanças. O pai, assim como as famílias de ambos também passam pelo difícil processo de adaptação a uma situação imprevista e inesperada.
Diante disso cabe nos perguntar: por que isso acontece? O mundo moderno, sobretudo no decorrer do século vinte e início do século vinte e um vem passando por inúmeras transformações nos mais diversos campos: econômico, político, social.
Essa situação favoreceu o surgimento de uma geração cujos valores éticos e morais encontram-se desgastados. O excesso de informações e liberdade recebida por esses jovens os levam à banalização de assuntos como o sexo, por exemplo. Essa liberação sexual, acompanhada de certa falta de limite e responsabilidade é um dos motivos que favorecem a incidência de gravidez na adolescência.
Outro fator que deve ser ressaltado é o afastamento dos membros da família e a desestruturação familiar. Seja por separação, seja pelo corre-corre do dia-a-dia, os pais estão cada vez mais afastados de seus filhos. Isso além de dificultar o diálogo de pais e filhos, dá ao adolescente uma liberdade sem responsabilidade. Ele passa, muitas vezes, a não ter a quem dar satisfações de sua rotina diária, vindo a procurar os pais ou responsáveis apenas quando o problema já se instalou.
A desinformação e a fragilidade da educação sexual são também questões problemáticas. As escolas e os sistemas de educação estão muito mais preocupados em dar conta das matérias cobradas no vestibular, como: física, química, português, matemática, etc., do que em discutir questões de cunho social. Dessa forma, temas como sexualidade, gravidez, drogas, entre outros, ficam restritos, quase sempre, aos projetos, feiras de ciência, semanas temáticas, entre outras ações pontuais. Os governos, por sua vez, também se limitam às campanhas esporádicas. Ainda assim, em geral essas campanhas não primam pela conscientização, mas apenas pela informação a respeito de métodos contraceptivos. Os pais, como já foi dito anteriormente, além do afastamento dos filhos, enfrentam dificuldades para conversar sobre essas questões. Isso se dá devido a uma formação moralista que tiveram. Diante dessa realidade o número de pais e mães adolescentes cresce a cada dia.”
MORAES, Rosalina Rocha Araújo. Gravidez na Adolescência. URL: [http://www.infoescola.com/sexualidade/gravidez-na-adolescencia]. Data de publicação: 05/09/2007.

Ignorar a realidade social e tomar com objetividade cega o preceito legal ora discutido conduziria à responsabilidade penal objetiva, sem análise de dolo ou culpa, criminalizando-se a conduta do ato sexual por si, com um falso moralismo.

A título de argumentação, seria o caso, portanto, de se deflagrar a persecução penal de todos os pais dos bebês nascidos de mães adolescentes? Ou então seria fomentar a “paternidade irresponsável”, já que ninguém se habilitaria a assumir a paternidade dessas crianças sabendo do risco de serem condenados à pena de 8 a 15 anos?

Por certo é louvável a iniciativa do legislador para punir mais severamente os crimes sexuais praticados contra vítimas menores, especialmente aquelas tidas como vulneráveis. Para tanto, foi necessária a busca de um critério limitador, o cronológico, além das condições biopsicológicas especiais.

Todavia, não se pode afastar as peculiaridades de cada caso concreto. Do contrário, estar-se-á punindo, com a mesma severidade, tanto aquele que mantém relações sexuais com sua namorada adolescente, quanto o contumaz pedófilo doentio que se aproveita da fragilidade da criança ou adolescente.

Por estas razões, pela falta de elementos para deflagração da persecução penal e diante da atipicidade material da conduta, requeiro o ARQUIVAMENTO do presente inquérito policial, sem prejuízo do disposto no artigo 18 do Código de Processo Penal.

07 de junho de 2011.


Descabimento de usucapião de loteamento clandestino

Usucapião

Trata-se de pedido de usucapião extraordinário, nos termos do artigo 1.238 do Código Civil, formulado por L.

Alega o autor que possui como sua, há mais de 15 anos, parte de área rural denominada Sítio S, nesta cidade de X, adquirira de M.

Juntou instrumento particular de promessa de venda e compra, recibos de pagamento, levantamento topográfico, memorial descritivo e certidões.

O Oficial de Registro de Imóveis informou que o imóvel está encravado em área maior onde foi implantado um loteamento clandestino denominado “Chácaras”, em nome de M.

A fls. 74/75 consta certidão de objeto e pé da Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público visando a regularização de referido loteamento.

Inicialmente, observo que já houve condenação, em primeira instância, nos autos da Ação Civil Pública, dos proprietários do imóvel rural, F e C, solidariamente com a Prefeitura de X, para regularização, no prazo máximo de quatro anos, do loteamento Chácaras, com elaboração e aprovação de plano de parcelamento ou, na impossibilidade, indenização aos adquirentes dos lotes.

Pende apreciação de recurso contra essa sentença, perante o Tribunal de Justiça.

Vê-se, portanto, que a propriedade objeto do presente feito trata-se de loteamento clandestino, cuja regularização pela via da usucapião é inviável, pela própria inexistência de matrícula.

Nesse sentido, manifestou-se o Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS - Escritura de venda e compra - Loteamento não registrado - Abertura de matrícula - Impossibilidade - Imóvel com descrição precária e, sua área maior, vendido em parte segregada - Necessidade de apuração do remanescente - Ausência de controle da disponibilidade e da especialidade - Identificação do proprietário e de sua mulher - Necessidade de adequação dos dados qualificativos do título com os do registro - Averbação que se faz necessária - Recurso não provido.” (Conselho Superior da Magistratura São Paulo, Apelação n.° 118-6/0, Rel. Des. Luiz Tâmbara, j. 25.11.2003).


Ora, sendo o parcelamento irregular, não é possível a inscrição de matrícula e, sem esta, eventual sentença procedente ao pleito do autor não poderia ser registrada.

Sobre esse tema já houve manifestação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

“USUCAPIÃO DE LOTE DE TERRENO DE DESMEMBRAMENTO CLANDESTINO, EM DESACORDO COM OS REQUISITOS DO ARTIGO 18 DA LEI 6.766/79 - Impossibilidade de registro, a inviabilizar o pedido de reconhecimento da prescrição aquisitiva - Apelo do Ministério Público provido, para julgar improcedente a ação - Comunicada a Corregedoria Geral da Justiça das irregularidades apuradas no Registro Imobiliário local.” (TJSP - Apelação n° 157.508-4/4-00 - Rel. Luiz Ambra – 8ª Câmara de Direito Privado - j .27.03.09).


De outro lado, uma vez que seja confirmada a sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública mencionada acima, o cumprimento daquela obrigação de regularizar o loteamento supriria o interesse do autor.

Em contrapartida, caso verificada a impossibilidade de regularização do loteamento, de acordo com a legislação pertinente ao parcelamento do solo, será necessária a restituição da gleba ao estado anterior, com indenização dos adquirentes dos lotes desmembrados.

Nessas duas hipóteses aventadas acima, eventual decisão procedente neste pedido de usucapião criaria uma indefinição jurídica.

Portanto, ainda que se afigure possível a demanda do autor, o trâmite da ação para regularização do loteamento clandestino é questão prejudicial que impede o julgamento do mérito da usucapião.

Ante o exposto, deve ser julgado extinto o processo, sem julgamento do mérito, pela impossibilidade jurídica do pedido, com fundamento no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.

Subsidiariamente, caso não seja este o entendimento do Juízo, pugno pela suspensão do processo até decisão definitiva nos autos da Ação Civil Pública nº .., em trâmite perante a 1ª Vara Cível local, nos termos do artigo 265, inciso IV, alínea “a”, também do Código de Processo Civil.

06 de maio de 2011.


Parecer sobre o direito de vaga em creches municipais


 
Trata-se de ação de obrigação de fazer, cumulada com pedido de antecipação de tutela, formulada pelas crianças J e J, representados por sua genitora J, em face do MUNICÍPIO X, visando obtenção de vaga em creche.

A inicial descreve, em síntese, que a Joelma trabalha e não tem condições de ficar com os filhos nem de pagar uma pessoa para cuidar deles, sendo que a Secretaria Municipal de Educação de X informou que não há vagas nas creches municipais.

Os autores requerem, inaudita altera parte, antecipação da tutela, com fixação de multa diária em caso de descumprimento, para determinar ao Município que providencie vaga em creche próxima a casa dos requerentes ou, caso seja distante, complementada com transporte escolar.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 14/21.

Passo à manifestação.

A tutela deve ser concedida antecipadamente.

A educação é direito público subjetivo constitucionalmente protegido, que exige atuação positiva do Estado para sua concretização e eficiência, tal qual dispõe do artigo 208 da Constituição Federal:

“Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;

VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.(grifo nosso)


Anote-se, ademais, que a educação não se restringe apenas à transmissão de conhecimentos, sendo antes de tudo um instrumento de promoção da cidadania e desenvolvimento da pessoa, tal qual expresso no artigo 205, também da Carta Magna:

“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (grifo nosso)


Igual disposição é trazida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/1990, in verbis:

“Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:” (grifo nosso)


Dentro dessa quadra de obrigação estatal, definiu o Constituinte como sendo de competência dos Municípios “manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental” (art. 30, VI, CF), em consonância com o artigo 211, § 2º, também da Constitucional Federal, que determina que “os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.

Tais preceitos constitucionais são reproduzidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei nº 9394/96:

“Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:

V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.

VI - assumir o transporte escolar dos alunos da rede municipal.” (grifos nossos)

Além disso, esse mesmo diploma legal (LDB) explicita o que vem a ser a educação infantil e qual sua abrangência:

“Art. 30. A educação infantil será oferecida em:

I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;

II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade.”


As certidões de nascimento juntadas a fls. 14/15 comprovam que os autores são menores de três anos de idade e fazem jus ao atendimento de educação infantil em creches ou entidades equivalentes, além de transporte escolar, ambos de responsabilidade do Município.

Resta, pois, inafastável o poder-dever da Municipalidade no atendimento em creches e pré-escolas às crianças, não se tratando de mera discricionariedade local.

Com efeito, a plausibilidade do direito invocado, presente o “fumus boni iuris”, é latente pelas normas constitucionais e infraconstitucionais acima colacionadas.

De outro lado, o perigo da demora é nítido, na medida em que os requerentes, uma vez que não se lhes seja disponibilizada vaga em creche municipal, poderão permanecer em situação de risco, de difícil reparação, já que a genitora tem condições de arcar com as custas de uma babá e não seria razoável exigir-lhe o abandono do emprego.

Ante o exposto, o pedido comporta antecipação da tutela, determinando-se ao réu que disponibilize vaga em creche próxima à residência dos autores ou, caso seja distante, além da vaga proporcione o regular transporte escolar, sob pena de multa diária a ser fixada pelo Juízo.

14 de junho de 2011.


Recurso Especial da Fazenda Pública no caso do reexame necessário

Quando a Fazenda Pública deixa de apelar de uma sentença, mas esta é apreciada pelo Tribunal competente por conta do Reexame Necessário, do acórdão proferido pelo Tribunal (em reexame necessário) cabe Recurso Especial manejado pela Fazenda Pública ou seria caso de preclusão lógica?


JULIANO DE CAMARGO
Bacharel em Direito, Pós-graduando em Direito Público pela LFG, Assistente Jurídico do MPSP
Fevereiro/2011


A análise da questão posta demanda fixar-se, inicialmente, a premissa do chamado “reexame necessário” ou “duplo grau de jurisdição”. Conforme letra da lei (art. 475 do Código de Processo Civil), é instituto processual que condiciona a eficácia de sentenças proferidas contra os interesses da Fazenda Pública – União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como suas autarquias e fundações – à revisão pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, independentemente de interposição de apelação pelo ente público.[1] Ou seja, não se confunde – embora, na prática, surta os mesmos efeitos de uma apelação – o reexame necessário com recurso, cujo pressuposto fundamental é voluntariedade (daí o próprio Código de Processo Civil falar em “produção de efeitos” condicionado à confirmação).
Essa distinção do reexame necessário de um recurso, é mais relevante pois a remessa ex officio da sentença ao tribunal competente não impede a interposição, pela Fazenda Pública, de apelação. De qualquer modo, com exceção de algumas hipóteses de dispensa do duplo grau obrigatório, não ocorrerá a coisa julgada senão a partir da confirmação da sentença pelo órgão superior, esgotados todos os demais recursos.[2]
A questão, pois, sujeita a indagação de que, não apresentando apelação – recurso voluntário –, estaria a Fazenda Pública “aceitando” a decisão desfavorável primitiva e, dessa maneira, a reapreciação, como mero ato complexo que dá eficácia à decisão, não ensejaria recursos aos Tribunais Superiores – seja especial, seja extraordinário – pelo ente público. Por certo, destaque-se, não inviabilizaria interposição desses mesmos recursos pela outra parte da lide, em caso de reforma da sentença.
Cassio Scarpinella Bueno entende que, desde que presentes os pressupostos autorizadores, fazendo as vezes de apelação, por viabilizar ampla análise do mérito, o reexame necessário ficaria sujeito aos embargos de declaração, ao recurso extraordinário e ao recurso especial. Segundo o autor “o acórdão respectivo, nesta perspectiva, tem tudo para fazer as vezes da ‘causa decidida’ exigida pelo art. 102, III, e art. 105, III, da Constituição Federal.”[3]
Data vênia, tal entendimento faria pressupor que, na reapreciação da sentença, o Tribunal tivesse a possibilidade de reformar a decisão para agravar ainda mais a situação do ente estatal, operando odiosa reformatio in pejus. Está-se, por certo, considerando a inexistência de recurso de apelação pela outra parte, na hipótese de sucumbência recíproca.
Vale destacar, portanto, que uma vez aplicada exclusivamente a remessa de ofício, as conclusões lógicas a que o Tribunal chegará serão ou a confirmação da sentença, ou sua reforma total, ou ainda a reforma parcial, nesta última hipótese exclusivamente em favor da Fazenda Pública. Nesse sentido, uma vez tendo se resignado com aquela decisão primária, inexistirá sucumbência em segundo grau que autorize interposição de recurso especial ou mesmo extraordinário.
Além da inexistência de sucumbência, nos termos acima expostos – pressuposto recursal – há que se revelar o entendimento de ocorrência de preclusão lógica, diante da prática de ato incompatível com a vontade de recorrer (art. 503, parágrafo único, do Código de Processo Civil). Data vênia, em que pese parte da doutrina asseverar a necessidade de prática de ato comissivo para se operar tal espécie de preclusão, entendo perfeitamente aplicável a tese esposada pelo Ministro Mauro Campbel Marques, do Superior Tribunal de Justiça, nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.036.329/SP, de que “a omissão pode gerar preclusão lógica quando dela se puder extrair manifestação inequívoca de vontade que caminhe em sentido oposto à prática do ato processual tido por precluso”. Uma vez quedando-se inerte a Fazenda Pública, aceitando tacitamente a sentença, não poderá mais recorrer. Consequentemente, do acórdão que aprecia o reexame necessário, afigura-se também ilógico a admissão de recurso especial (e também extraordinário).
Sem adentrar, por não ser o escopo deste estudo, no tema do “silêncio administrativo”, as consequências jurídicas da inércia da Fazenda Pública ao não apelar não decorre do “não-ato” em si, mas é sucedâneo legal do art. 503 do Código de Processo Civil, em observância ao princípio da legalidade.
Para arrematar, mas reconhecendo a persistência da polêmica, o Superior Tribunal de Justiça, nos embargos supra mencionados, enfrentou o tema com objetivo de uniformizar a jurisprudência dessa Corte, decidindo nos seguintes termos (votação não unânime):
“PROCESSUAL CIVIL - NÃO-APRESENTAÇÃO DE APELAÇÃO PELA UNIÃO - REMESSA OFICIAL IMPROVIDA - IMPOSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL - PRECLUSÃO LÓGICA. (...) 2. A não-interposição do recurso voluntário, pela União, gera a presunção de resignação diante do provimento jurisdicional apresentado. A posterior interposição de recurso especial torna-se inviável diante da caracterização da preclusão lógica. Se, inicialmente não houve interesse recursal por parte da União, mantendo-se o mesmo entendimento, não há razão para recorrer. 3. Esta Corte entende que descabe a interposição de recurso especial contra acórdão que nega provimento à remessa necessária, quando a ausência de interposição de apelo voluntário evidencia a conformação da parte em relação à sentença que lhe foi desfavorável, ante a preclusão lógica. Neste sentido o REsp 904.885/SP, de relatoria da Min. Eliana Calmon, julgado pela Primeira Seção em 12.11.2008, não-publicado, no sentido da ocorrência de preclusão lógica. Embargos de divergência providos.” (STJ, Embargos de Divergência em RESP Nº 1.036.329 – SP. Rel. Min. Humberto Martins. J. 14.10.2009).

Referências Bibliográficas:
THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol I. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 5. São Paulo: Saraiva, 2008.


[1] BUENO, op. cit., p. 411.
[2] THEODORO Jr., op. cit., p. 621.
[3] BUENO, op. cit., p. 419.