Competência para ação
de interdição: perpetuatio jurisdictionis
ou interesse do incapaz?
Juliano de
Camargo
Bacharel em Direito e Assistente Jurídico do
Ministério Público do Estado de São Paulo
Outubro/2011
Interdição é instituto jurídico voltado à proteção
da pessoa maior, porém incapaz, e seu patrimônio, nomeando-lhe um curador responsável
pelos cuidados e economias, mediante fiscalização do Juízo e do Ministério
Público.
Assim está disposto no Código Civil:
Art. 1.767.
Estão sujeitos a curatela:
I - aqueles
que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário
discernimento para os atos da vida civil;
II - aqueles
que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;
III - os
deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;
IV - os
excepcionais sem completo desenvolvimento mental;
V - os
pródigos.
Art. 1.768. A
interdição deve ser promovida:
I - pelos pais
ou tutores;
II - pelo
cônjuge, ou por qualquer parente;
III - pelo
Ministério Público.
A questão central do presente estudo é quanto ao
foro competente para o ajuizamento da ação de interdição.
Seguindo-se a regra prevista no artigo 94 do Código
de Processo Civil, as ações pessoais devem ser propostas, em regra, no foro do
domicílio do réu, na hipótese do presente caso, do interditando.
E o artigo 87, também do Código de Processo Civil,
dispõe que as modificações posteriores são irrelevantes são se suprimirem órgão
jurisdicional ou provocarem alteração de competência em razão da matéria ou da
hierarquia. Este é o princípio da perpetuatio
jurisdictionis.
Interpretando os dispositivos, ajuizada ação de
interdição no domicílio do interditando, o que ocorreria caso ele viesse a ser
internado, porventura, em caráter definitivo, em hospital, asilo ou casa de
recuperação, por exemplo, em Comarca distante do foro original onde foi
proposta a demanda?
Ora, também é de se conciliar a necessidade do Juiz,
bem como do Promotor com atribuições pertinentes aos interesses dos incapazes e
deficientes, ter condições e meios eficazes de fiscalizar a atuação do curador,
assim como a situação do interessado, afinal, parte vulnerável.
Haverá, nesse panorama, nítida sobreposição de
atribuições envolvendo a Magistratura e a Promotoria das Comarcas onde tramita
a ação e do domicílio do interditando.
Indagação interessante, também, seria a hipótese de
modificação ou substituição da curatela: qual o juízo competente para apreciar
o pedido? Da ação original ou do atual domicílio do incapaz?
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
decidindo conflito de competência, determinou aplicação do artigo 87 do Código
de Processo Civil, reforçando a tese de que a jurisdição não seria passível de
alteração superveniente:
“CONFLITO
NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - Ação de Interdição. Competência do foro do domicílio
do interditando. Alteração superveniente. Irrelevância. Aplicação do artigo 87
do CPC. Conflito Procedente. Competência do Juízo onde o incapaz estava
domiciliado ao tempo da propositura da demanda.” (TJSP, CC
3289795020108260000-SP, Rel. Des. Reis Kuntz, j. 02/05/2011).
Por oportuno destacar que, não raras vezes, aliás
muito comum na praxe forense, que os pedidos de interdição sejam ajuizados pelo
cônjuge que vê seu consorte acometido de alguma doença degenerativa neurológica
que aparece apenas em idade avançada, como Parkinson ou Alzheimer. Nesses
casos, por evidente, ambas as partes – curador e curatelado – são idosos,
havendo que se preservar, também, seus interesses individuais pertinentes à
condição da idade.
Aliado a este último ponto, também comuníssimo que
as interdições venham cumuladas com pedido de curatela provisória, tendo em
vista a necessidade do cônjuge praticar atos relacionados a proventos de
aposentadoria ou outros benefícios previdenciários.
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça teve
oportunidade de se manifestar acerca da superação do princípio da perpetuatio jurisdictionis para
privilegiar o interesse maior do incapaz:
“PROCESSO
CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE INTERDIÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DO
CURADOR. MELHOR INTERESSE DO INCAPAZ. PRINCÍPIO DO JUÍZO IMEDIATO. FORO DE
DOMICÍLIO DO INTERDITO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.
1.
Irrelevante, na espécie, a discussão acerca da incidentalidade ou autonomia do
pedido de substituição de curador, pois em ambos os casos a conclusão a que se
chega é a mesma.
2. Em se
tratando de hipótese de competência relativa, o art. 87 do CPC institui, com a
finalidade de proteger a parte, a regra da estabilização da competência
(perpetuatio jurisdictionis), evitando-se, assim, a alteração do lugar do
processo, toda a vez que houver modificações supervenientes do estado de fato
ou de direito.
3. Nos
processos de curatela, as medidas devem ser tomadas no interesse da pessoa
interditada, o qual deve prevalecer diante de quaisquer outras questões,
devendo a regra da perpetuatio jurisdictionis ceder lugar à solução que se
afigure mais condizente com os interesses do interditado e facilite o acesso do
Juiz ao incapaz para a realização dos atos de fiscalização da curatela.
Precedentes.
4. Conflito
conhecido para o fim de declarar a competência do Juízo de Direito da 11ª Vara
de Família e Sucessões de São Paulo-SP (juízo suscitado), foro de domicilio do
interdito e da requerente.”
(STJ, 2ª Seção, CC 109840/PE, Rel. Min. Nancy
Andrighi, j. 09/02/2011)
Entretanto, releva distinguir se o interesse maior
do incapaz relaciona-se com o local em que se encontra, comportando a fixação
da competência territorial, ou com as possibilidades de seu curador, ainda que
provisório, hipótese de alteração da regra do domicílio do réu (esteja ele
internado em clínica, hospital, casa de repouso ou recuperação em Comarca
distinta).
Assim, ponderando as condições tanto do curador
quanto do curatelado – e cada caso concreto ditará a conduta – faz-se
primordial ser levado ao conhecimento do Juízo, assim como do Ministério
Público (ou até por este solicitadas providências, caso omissa a inicial): tem
o interditando condições de comparecer em Juízo ou, até mesmo, condições de
sair do hospital em que está internado, a fim de comparecer em audiência?, a
internação tem caráter permanente ou não?, haverá possibilidade de efetivar a
citação por precatória ou não?, atentando para as disposições dos artigos 1.181,
218 e 336, parágrafo único, todos do Código de Processo Civil.
Vê-se, portanto, a equidade da posição do STJ,
admitindo a superação do princípio da perpetuatio
jurisdictionis quando presentes interesses maiores do incapaz.